Texto de: Maria Siqueira Queiroz de Carvalho
(graduanda de Licenciatura em Teatro da Unirio)
Dentro do panorama do início do século XX, ressaltaremos a atividade teatral da cidade de Campos dos Goytacazes no interior do Rio de Janeiro, em especial para investigar a existência do cine-teatro Trianon, curiosamente homônimo do teatro carioca que simbolizou uma geração e uma forma de fazer teatro muito popular nos anos 30 e 40, a tão comentada Geração Trianon. Neste período o Trianon do Rio de Janeiro, localizado à Av. Rio Branco, 181, já tinha 10 anos de atividades (foi inaugurado em 1910) e estava sendo administrado por Leopoldo Fróes, daí podemos imaginar que vivia um período de plena atividade, o que explica o batismo do cine-teatro campista como uma tentativa de se equiparar ao que havia de melhor na capital. Mas não é preciso deduzir que o teatro Trianon carioca estivesse em pleno funcionamento, estas informações se repetem em vários textos que tratam do teatro das décadas de 1930 e 1940. Esta geração, por seu modo de fazer teatro, é até hoje conhecida como Geração Trianon porque o Trianon era a casa de espetáculos mais nobre do período, tendo abrigado as companhias mais reconhecidas da época, como as de Leopoldo Fróes, Procópio Ferreira, entre outras.
Entenderemos o vulto desta casa de espetáculos, não só na cidade do Rio de Janeiro, como no panorama nacional se começarmos por considerar que o centro da atividade teatral brasileira era o Rio de Janeiro, praticamente tudo que acontecia fora de lá eram excursões das companhias cariocas. Havia muitas companhias teatrais e era comum que excursionassem, especialmente quando não estavam fazendo muito sucesso na capital e queriam buscar outros públicos menos concorridos. Logo, a casa de espetáculos carioca mais importante era a casa de espetáculos mais importante do país. Mas a cidade de Campos dos Goytacazes, além de ser a maior cidade do interior do estado do Rio de Janeiro, não era exatamente uma destas praças desprovidas de referências culturais, a cidade era muito rica e é muito claro que onde há circulação de dinheiro, há circulação de informações, trocas culturais, pessoas que viajam, têm lazer e que podem pagar por todo tipo de bens. Tudo graças ao cultivo da cana e à produção de seu açúcar. Em 1875 já havia 245 engenhos de açúcar, com 3.610 fazendeiros estabelecidos na região, e a primeira usina foi a Usina Central do Limão, fundada em 1879. A atividade manteve-se como centro da economia local por quase um século, ao longo do qual decaiu, mas manteve-se ativa até os dias de hoje. Esta atividade altamente lucrativa gerou uma estratificação gritante da sociedade local, dando à elite açucareira um poder de consumo elevadíssimo, inclusive de consumo de bens culturais. Corrobora para a compreensão da vida cultural da cidade considerar que esta já abrigara diversos teatros ao longo de sua história: o teatrinho Campista; a Casa da Ópera; o Theatro São Salvador, inaugurado em sete de setembro de 1845 e demolido em 1919, que foi visitado por D. Pedro II em todas as suas quatro visitas à cidade em 1847, 1875, 1878 e 1883; o Teatro Empyreo, inaugurado em 1874; o Molin Rouge de 1904; e o Teatro Orion, inaugurado em 1913 pelo mesmo capitão Carneirinho de quem muito falaremos a seguir. Foi a partir de um investimento particular que no ano de 1919, o capitão Francisco de Paula Carneiro, conhecido como capitão Carneirinho, mandou construir o cine-teatro Trianon no centro da cidade, no logradouro conhecido como Boulevard da Imprensa pela grande concentração de tipografias, mas passou a Boulevard Francisco de Paula Carneiro, depois da construção do teatro, o que retrata sua importância e o prestígio que o capitão adquiriu com sua construção. O teatro foi inaugurado em 25 de maio de 1921, neste dia o Capitão foi conduzido de sua residência, à Rua 13 de Maio, esquina com Saldanha Marinho, ao teatro por enorme massa popular, acompanhada pelas quatro bandas de música da cidade: Lira de Apolo, Lira Conspiradora, Lira Guarani e Sociedade Musical Operários Campistas. Mas o primeiro espetáculo teatral só se deu quatro dias depois com a companhia mexicana de operetas Esperanza Iris, que já era reconhecida por todo o Brasil. Seguindo o objetivo de estar no hall das melhores casas de espetáculo do país, a estrutura do teatro contou com o que havia de mais moderno. A começar pela luz elétrica, que havia acabado de se popularizar no fim do século anterior e não era popular, foi conseguida à partir de uma instalação própria um motor Fairbank-Morse de 47 HP e um dínamo de força de 217 amperes, hoje já não sabemos bem o que isto significava, mas podemos presumir que exigiu alto investimento. O teatro contava também com 1800 lugares para o público distribuídos entre frisas, camarotes, balcões, platéia e gerais. Havia ainda 25 camarins, sendo dois muito luxuosos; e um sistema de coxias dos mais modernos. Vale a comparação com o Trianon original, que contava com 1000 lugares, 800 a menos que o ambicioso teatro do Capitão Carneirinho.
As aspirações do capitão Carneirinho não foram frustradas; apresentaram-se no teatro, como podemos conferir nas placas de agradecimento, personalidades como o próprio Procópio Ferreira, além de tantos outros renomes de um teatro baseado no estrelato como Emilinha Borba (1960), Leopoldo Fróes, Clara Weiss, Aida Arce, Guiomar Novaes, Jayme Costa, Arthur Rubistein, Bidu Saião, Tito Shipa (1941), Raoul Roulien (1943), Joanídia Sodré, Ernesto de Marco, Marilene Stuart, Mara Bueno, Henriette Morineau, Richard Júnior, Bibi Ferreira (1952) e seus grandes elencos, nos sentidos figurado e literal. Podemos dizer que a cidade estava definitivamente incluída no circuito cultural do país. A efervescência cultural era tamanha que a cidade contou com um expressivo dramaturgo autor de revistas burlescas, chamado Gastão Machado. Ele escreveu entre 1923 e 1945 para companhias que se apresentaram tanto em Campos quanto na capital. Campos, sua cidade natal foi tema de muitas de suas obras, retratada especialmente através dos tipos sociais em suas comédias de costumes. É muito interessante perceber a importância de um teatro para a vida social e cultural de uma cidade. À época, o teatro era o que havia de mais refinado em termos de entretenimento e foi como o capitão Carneirinho elevou social e culturalmente a sua cidade. Ainda mais interessante é compreender o comportamento da burguesia da época comparada a de hoje; como este comportamento influiu para que, em geral, as cidades do interior quisessem construir teatros; enquanto que nos dias de hoje querem construir shopping centers. Não vamos discorrer aqui sobre a potencialização do consumo de bens cada vez menos duráveis em detrimento do consumo de bens culturais, mas isto é um fato histórico que deve ser levado em consideração quando discutimos a fundação de um cine-teatro do porte do Trianon de Campos, num momento em que supomos uma densidade demográfica mais baixa. Não encontramos dados sobre 1920, mas em 1940, em que logicamente o número já devia ser um pouco maior, a cidade tinha 223.373 habitantes de uma população que era essencialmente rural, não só em Campos como na maior parte do país (84% da população nacional era rural em 1920). A única possibilidade plausível para um teatro destas dimensões é de que o teatro era muito popular e frequentado com assiduidade pelos que tinham acesso, comparável ao alcance da televisão nos dias de hoje que tem sua programação acompanhada assiduamente pela quase totalidade da população. Nossa aristocracia queria estar em pé de igualdade com a capital, que por sua vez queria estar em pé de igualdade com a Europa, especialmente a França. O teatro era o principal entretenimento de uma época em que a televisão e o cinema ainda estão surgindo. Nos salões sociais o conhecimento intelectual, especialmente sobre arte, era um dos quesitos que mais valorizavam um homem. Logicamente a forma de se vestir, as boas maneiras, o dinheiro que se ostentava eram importantes na conquista de prestígio; mas a inteligência e o domínio da cultura eram tão valorizados que chegaram a ser tema da dramaturgia, como rezava Décio de Almeida Prado “No final, como era de se prever, a inteligência vence a riqueza” (Prado, 1993:62), isto sobre o mais famoso mendigo da ficção na época, o protagonista de “Deus Lhe Pague” de Joracy Camargo imortalizado por Procópio Ferreira que o encenou cerca de 3.623 vezes: Em abril de 1968 foi inaugurado o Teatro de Bolso Procópio Ferreira, um espaço mais intimista como sugeriam os moldes modernos, porém homenageando a figura de um ator que não se deixou modernizar. O interior sofria influências que se chocavam provocando estas curiosidades, dois tipos de teatro que tanto disputaram entre si o título de bom teatro nacional se verem representados num só edifício. Os dois teatros coexistiram por sete anos. Até que em 1975 e, ao que consta, durante a madrugada, o Trianon foi demolido para dar lugar ao banco Bradesco, que lá está, até hoje. Procópio foi um dos atores e empresários de teatro mais bem sucedidos da história do teatro brasileiro. Podemos dizer que ele servia perfeitamente à forma de fazer teatro de seu tempo. O mais importante era o jogo com a platéia, a capacidade cômica e o poder da oratória. Não havia que ser versátil, pelo contrário, o público queria ver seus astros em cena. Procópio soube administrar esta forma de fazer teatro como ninguém. Digo isto porque até hoje sua imagem é cristalizada como um grande homem de teatro e isto porque ele criou em torno de si um mito, se fez uma celebridade. Num tempo em que a figura do ator era o mais importante, Procópio foi o mais popular. O sistema de idolatria era algo comparável ao que o show business, especialmente o norte-americano, faz com seus ídolos nos dias de hoje; cria mitos e transforma a vida e a personalidade de seus artistas em algo tão interessante quanto ou até mais interessante que sua própria arte. Muitos anos depois, em 1998, foi inaugurado um novo teatro Trianon com 800 lugares e 14 camarins, depois de sete anos em obras, na Rua Marechal Floriano. O primeiro espetáculo foi apresentado pela companhia Débora Colker e a primeira peça teatral foi o “Brasileiro, Profissão Esperança”, tendo como atores Bibi Ferreira e Gracindo Júnior. Não podemos garantir, mas o antigo cine-teatro parece ter correspondido a todas as exigências artísticas. O novo Trianon, no entanto, não possui acústica adequada, além de ligar os camarins à coxia através de uma escada caracol. Apesar disto, apresenta muitas qualidades, como o rider de luz que é bastante completo. Enfim, há muitas controvérsias sobre a sua qualidade. De qualquer forma a obra de um milhão de reais, dois mil e quinhentos metros quadrados contruídos num terreno de dez mil metros quadrados, ressarciu de alguma forma a cultura campista que hoje luta contra os mesmos concorrentes que o teatro de qualquer lugar do país, uma televisão forte e um cinema norte-americano a preços módicos. O que vale é ressaltar a vida teatral de uma cidade de interior tão expressiva economicamente e tão ambiciosa culturalmente. Hoje os dois teatros da cidade são ainda o Teatro de Bolso Procópio Ferreira e o Teatro Trianon. O primeiro levando o nome do ator mais reconhecido de sua geração e o segundo, o nome do edifício teatral símbolo desta mesma geração. Só podemos concluir que este período que se estendeu para pouco além da primeira metade do século XX deixou suas marcas profundas no teatro desta cidade. Atrevo-me a dizer que foi o período de maior popularização e efervescência da atividade teatral brasileira e que talvez a idéia de construir um novo tipo de teatro nacional tenha deixado esvair o império que o teatro profissional já havia construído: um público assíduo e um teatro extremamente valorizado pela convivência social.
FONTES: RABETTI, Beti. Teatro e comicidades 2: modos de produção do teatro ligeiro carioca. Rio de Janeiro: 7 letras, 2007
SOUSA, Horacio de. Cyclo Aureo. Campos dos Goytacazes. Damadá, 1985
PRADO, Décio de Almeida. Procópio Ferreira (um pouco da prática e um pouco da teoria). In: Peças,pessoas personagens: o teatro brasileiro de Procópio Ferreira a Cacilda Becker. São Paulo:Companhia das Letras, 1993.
TROTTA, Rosyane. O teatro brasileiro: décadas de 1920-30. In: O teatro através da história. v.II-O teatro brasileiro. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil; Entourage Produções Artísticas, 1994.
WERNECK, Maria Helena. Uma dramaturgia devorada: textos do teatro brasileiro entre as décadas de 30 a 50. In: Anais do III Congresso Brasileiro de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas, Florianópolis, 08 a 11 de outubro de 2003. – Florianópolis: Associação Brasileira de Pesquisa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – ABRACE, 2003.
CORDEIRO, Hélvio Gomes. Cine Teatro Trianon e novo Teatro Trianon. Campos dos Goytacazes: Instituto Historiar, julho de 2009.
JB online: O inexplicável Procópio Ferreira, junho de 2008.
Estudos Socioeconômicos dos Municípios do Rio de Janeiro 1997-2001 do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro - Secretaria Geral de Planejamento
IBGE.
Foi com imenso prazer e saudosismo que li o texto sobre o Trianon e é bom saber que existem pessoas preocupadas com a história da nossa cidade.
ResponderExcluirUm abraço e boa sorte.
Cláudio