MIGUEL CATAIA
O Correio estava funcionando desde 1798, quando saíram daqui para o Rio de Janeiro os dois primeiros estafetas a cavalo, pai e filho de sobrenome Cataia. Em 28 de março de 1879 caía do cavalo e fraturava uma perna Miguel Fernandes Cataia, com 100 anos de idade. É o que nos conta Julio Feydit, com o detalhe notável de que, Miguel, com seu pai, foram os dois primeiros estafetas em 1797 e que, portanto, faziam 81 anos e três meses que eles fizeram aquela primeira viagem. Era uma figura muito popular e querida o velho Cataia, com seus longos cabelos e seu bom humor, sua espetacular saúde. Quando da instalação dos Correios eles ganhavam 640 réis de diária, ida e volta, viajando de 15 em 15 dias, sempre às quartas-feiras. Mas essa diária só quando estavam viajando. Em 1840 passaram a ganhar 1$000 (hum mil réis) quando não viajavam e 1$600 (hum mil e seiscentos réis) quando em serviço. Logo depois da ligação Campos-Rio, foi estabelecido mesmo serviço para o Espírito Santo. Pode-se imaginar o alvoroço que envolvia a população excitada com a chegada dos Cataia, que vinham trazendo cartas do Rio de Janeiro. Quem pagava o “selo” era quem recebia a correspondência. E se pode avaliar a popularidade do velho Cataia, cuja morte em 1879 comoveu toda a população, que chorava no seu enterro de primeira classe, o mais luxuoso que a Santa Casa tinha reservado para os barões dos canaviais e senhores de engenho. Mas esses fatos são ignorados, porque o nosso povo conhece mais a História dos Estados Unidos, pela força comunicadora do cinema, do que a nossa própria História. Sabe que o famoso Buffallo Bill começou como estafeta de Correios (o “poney expresso”) atravessando a cavalo regiões dominadas pelos índios, mas a epopéia dos Cataia e outros por este Brasil lhe é desconhecida. Sabe tudo da vida dos chefes índios “Sitting Bull” (Touro Sentado), Cochise, Jerônimo e outros, e não sabe nada do grande chefe índio Araribóia, que saiu de Cabo Frio chefiando os seus temiminós numa frota de pirogas para ajudar na luta pela expulsão dos franceses. E quando o vice-rei lhe foi conceder uma comenda, chegando à igreja, depois de atravessar de canoa a Baía de Guanabara, soube que tinha de ajoelhar-se para receber a láurea, deu as costas, pegou novamente sua canoa e voltou para a sua Praia Grande (Niterói), aos altos brados gritando que um chefe como ele não se ajoelhava aos pés de homem nenhum. Mas as engenhocas se multiplicavam e a cana ampliava conquistas de territórios. Afora os quatro grandes latifúndios – a Fazenda do Colégio e as outras de Joaquim Vicente dos Reis – o Mosteiro de São Bento; o dos Asseca (Fazenda do Visconde); e a do sul da Lagoa Feia (Fazenda do Morgado), o que predomina é a pequena propriedade, ao contrário de Pernambuco. A luta é individual e rude. Cada um cuida de si, de produzir o que pode, cada vez mais caixas de açúcar. Mais ao fim da “safra” ele está de mãos quase vazias, porque tinha que vender toda ela aos negociantes da vila e em virtude da falta de transportes e ainda pelo seu feitio excessivamente particularista, tinha que se submeter aos traficantes. E ainda tinha o inimigo maior a enfrentar. Mais forte do que a onça, as cobras e outros animais, era a malária, o paludismo. Produto do Brejo, eram os dois que esse “peão” pobre, com sua família e seus escravos, tinha que enfrentar. A luta cruenta tornava-os maus para com os escravos, cuja população no início do século era igual à dos brancos livres. Mesmo assim eles incomodavam, e os latifundiários, os senhores de engenho do Rio de Janeiro protestavam contra “esses míseros e apoucados lavradores, supostos possuidores de fracas e tributárias engenhocas”. É Antonio Muniz de Souza quem fala. Ele foi um dos mais lúcidos viajantes-escritores que visitaram Campos dos Goytacazes no começo do século. E a luta contra a malária e as febres podres continua. – “A luta é individual e áspera” – diz Ribeiro Lamego. A produção é subdividida em pequenas porções, mas que somadas já vai alta. Ainda em 1783, as 128.580 arrobas divididas pelo número de engenhocas da época dão média de menos de 500 arrobas por engenho, é ainda Lamego quem informa. – “O fim principal é moer cana e fazer açúcar” – diz Couto Reis. Na primeira década do século XIX já chegam a mais de 600 os engenhos primitivos. Voltemos à Vila de São Salvador. Era iluminada a lampiões de azeite de peixe, de má qualidade. O sino da Cadeia (mais tarde o da Matriz) dava o toque de recolher às 10 horas da noite. Só havia uma rua calçada precariamente, a dos Mercadores (depois Rua Direita e hoje Rua 13 de Maio). Em 1805 ocorreu o crime da Rua das Cabeças (Rua Aquidaban) que Gastão Machado conta com detalhes em “Os Crimes Célebres de Campos”. Em 1808 a vila recebeu com grandes festas a notícia da chegada de D. João VI e sua Corte ao Brasil. Antes, em 1805, era inaugurada a “Casa da Ópera”, teatrinho que existiu na “Rua Detrás da Matriz” (Rua Vigário João Carlos). Em 1811, o Visconde de Araruama foi designado por D. João VI para proceder à limpeza dos rios da Lagoa Feia. Em 1812, a viúva de Braz Carneiro Leão, Ana Francisca, proprietária da Fazenda “Barra Seca”, recebia a mercê do título de Baronesa de São Salvador dos Campos Goytacazes. Em 1827 estabelece-se o primeiro engenho a vapor. Era o começo da “Era da Machina”. E a vila de São Salvador continuava em sua vidinha pacata, limitada a leste pela Rua do Ouvidor, que já era “subúrbio”. Depois da Rua dos Mercadores (13 de Maio), haviam calçado, a pedras irregulares – “pés-de-moleque” – os becos do Dionísio; (Rua Rotary), beco Francisco Manoel Duarte (Travessa Carlos Gomes); e do Campello (Rua 21 de Abril), trecho da Praça Principal à Rua da Alagoa (Rua da Quitanda, atual Governador Teotônio Ferreira de Araújo). Até o toque da Ave-Maria ou pouco depois, ainda havia movimento, conversas e jogo de gamão na Botica de Francisco Rodrigues da Cruz (Chico da Botica, a única existente na vila), localizada na Rua dos Mercadores. Depois do toque de recolher, às 10 horas da noite, já não se via mais quase ninguém, a não ser vultos embuçados em busca de leitos clandestinos. Os escravos que eram apanhados na rua pela ronda depois do toque de recolher eram surrados no dia seguinte no Pelourinho, depois de uma noite de Cadeia.
(Texto extraído do Livro “Na Taba dos Goytacazes”, de Hervé Salgado Rodrigues)
Embora esta edição seja de 1988, estamos mostrando um texto atualíssimo, no qual o autor cobra o reconhecimento de personalidades que fizeram a grandeza de nossa história e nunca são lembrados pelos campistas, ficando relegados somente às publicações em que passem despercebidos. Nós do Instituto Historiar estamos tentando resgatar a história destes nossos vultos que tanto fizeram por nossa Campos dos Goytacazes e, estaremos publicando um histórico sobre cada um deles.
Livro Na Taba dos Goytacazes. Texto: Hélvio Gomes Cordeiro.
Muito relevante para a cultura dos jovens atuais.
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