sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Centenário de Machado de Assis

JOAQUIM MARIA MACHADO DE ASSIS: Nasceu em 21 de junho de 1839 e morreu em 29 de setembro de 1908. Escritor fluminense, considerado o maior nome da literatura brasileira do século XIX. Nasceu na cidade do Rio de Janeiro em família pobre. Passou a infância no Morro do Livramento e, órfão de mãe, é criado pela madrasta. Freqüentou o curso primário em escola pública e aprendeu Francês e Latim com um padre amigo da família. Trabalhava como aprendiz de tipógrafo, revisor e funcionário público. Aos 16 anos publica o primeiro poema, “Ela”, na revista ‘Marmota Fluminense’. A partir de 1858 colabora em órgãos de imprensa. É um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, em 1896, e, no ano seguinte torna-se seu primeiro presidente. Sua obra de romancista costuma ser dividida em duas fases. A primeira é marcada pela presença de características românticas na apresentação dos personagens. Desse período são: “Ressurreição” (1872), seu livro de estréia, “A Mão e a Luva” (1874), “Helena” (1876) e “Iaiá Garcia” (1878). À segunda fase pertencem: “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), “Quincas Borba” (1892), “Dom Casmurro” (1900) e “Memorial de Aires” (1908). Nessas obras transparece o interesse pela análise psicológica dos personagens, uma característica do movimento ‘realista’ (era um movimento influenciado pelo cientificismo, e buscava a descrição objetiva da realidade. Caracterizava-se por uma abordagem racional e pelo interesse por temas sociais). Entre seus contos se destacam “Missa do Galo”, “O Espelho” e “O Alienista”. Escreveu ainda poemas, crônicas, peças de teatro, críticas teatrais e literárias. Morreu de câncer em sua cidade natal, o Rio de Janeiro.
CAROLINA
(Soneto de 1906, feito depois da morte de sua mulher)
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que a despeito de toda a humana lida,
Fez nossa existência apetecida
E num recanto pôs o mundo inteiro.

Trago-te flores – restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.

DOM CASMURRO
(Trecho do romance de 1900)
“Enfim, chegou a hora da encomendação e da partida. Sacha quis despedir-se do marido, e o desespero daquele lance consternou a todos. Muitos homens choravam também, as mulheres todas. Só Capitu, amparando a viúva, parecia vencer-se a si mesma. Consolava a outra, queria arrancá-la dali. A confusão era geral. No meio dela, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...
As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou-as depressa, olhando a furto para a gente que estava na sala. Redobrou as carícias para amiga, e quis levá-la; mas o cadáver parece que a tinha também. Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã”.

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS
(Trecho do romance de 1881)
“Que me conste, ainda ninguém relatou o seu próprio delírio, faço-o eu, e a ciência me agradecerá. Se o leitor não é dado à contemplação destes fenômenos mentais, pode saltar o capítulo; vá direto à narração. Mas por menos curioso que seja, sempre lhe digo que é interessante saber o que se passou em minha cabeça durante uns vinte a trinta minutos.
Primeiramente, tomei a figura de um barbeiro chinês, bojudo, destro, escanhoando um mandarim, que me pagava o trabalho com beliscões: caprichos de mandarim.
Logo depois, senti-me transformado na (Suma Teológica) de S. Tomás, impressa num volume, e encadernada em marroquim, com fechos de prata e estampas; idéia esta que me deu ao corpo a mais completa imobilidade; e ainda agora me lembra que, sendo as minhas mãos os fechos do livro, e cruzando-as sobre o ventre, alguém as descruzava (Virgília decerto), porque a atitude lhe dava a imagem de um defunto.
Ultimamente, restituído à forma humana, vi chegar um hipopótamo, que me arrebatou. Deixei-me ir, calado, não sei se por medo ou confiança; mas, dentro em pouco, a carreira de tal modo se tornou vertiginosa, que me atrevi a interrogá-lo, e com alguma arte lhe disse que a viagem me parecia sem destino.
- Engana-se, replicou o animal, nós vamos à origem dos séculos.
Insinuei que deveria ser muitíssimo longe; mas o hipopótamo não me entendeu ou não me ouviu, se é que não fingiu uma dessas coisas; e, perguntando-lhe, visto que ele falava, se era descendente do cavalo de Aquiles ou da asna de Balaão, retorquiu-me com um gesto peculiar a estes dois quadrúpedes: abanou as orelhas. Pela minha parte fechei os olhos e deixei-me ir à aventura”.

Machado de Assis



Postagem: Instituto Historiar (Leandro Cordeiro, Hélvio Cordeiro e Enockes Cavalar).

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